BDSM: falta educar a sociedade para vencer o
estigma
Profissionais apelam à revisão dos manuais que
consideram o BDSM uma perturbação mental. Estes comportamentos podem ser
"saudáveis e apropriados" — o estigma é que causa angústia
Texto de Amanda Ribeiro •
29/09/2012 - 10:11
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Antes de
mostrar a Anastasia o seu Quarto Vermelho da Dor e, consequentemente, a sua
inclinação por práticas BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação e Submissão e
Sadomasoquismo), Christian Grey estende-lhe um acordo de confidencialidade para
assinar. Não quer que ela revele nada a ninguém. E aqui pode estar um sintoma
do estigma que os praticantes têm de enfrentar.
"A
existir alguma angústia nos praticantes de BDSM, não é por causa destes
comportamentos, mas da reacção social a que estão associados", diz
Alexandra Oliveira, professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). "Nas investigações, é muito
evidente que o facto de terem de esconder que têm determinado comportamento, o
facto de saberem que existe uma marca negativa associada e haver uma
estigmatização é que as faz sentir mal, não é terem o comportamento. E há
estudos que dão conta que até podem ser apropriados e saudáveis."
Aliás, as
"discrepâncias" entre estas e as típicas relações normativas
"não são assim tão evidentes". Esta foi uma das conclusões que a
psicóloga Ana Mafalda Ventura Mota retirou da tese de mestrado "Para Além
Da Dor: Fantasias de Prazer, Poder e Entrega. Um Estudo Sobre BDSM" (em
pdf),
defendida no ano passado na FPCEUP, pela qual obteve 18 valores. Durante um
ano, acompanhou a comunidade em Portugal, primeiro a partir dos dois grandes
fóruns online (BDSM
Portugal e Dominium), depois, guiada pelo seu
"informante chave", em festas e um jantar, e, por fim, com
entrevistas presenciais e também em chats.
Há, de
facto, uma "multiplicidade de relacionamentos" dentro do BDSM: os
relacionamentos "baunilha" que procuram depois um parceiro BDSM para
satisfazer necessidades, sem existir uma ligação psico-afectiva; os
relacionamentos "instrumentais", sobretudo no âmbito da dominação
profissional, onde até existe uma certa "indiferença sexual", já que
muitos, nomeadamente as dominadoras, não procuram nesta prática prazer sexual,
mas sim mental; e, "o mais interessante", diz a investigadora, as
relações amorosas que têm no BDSM "uma parte muito importante", que
"são um contínuo entre as relações ditas normais e estas
práticas". "A verdade é que as relações são estabelecidas com
base na afectividade e empatia mútua", diz. Daí que exista, por exemplo,
uma transposição de elementos como a coleira, que funciona como um símbolo do
compromisso, tal como a aliança.
Não é
posição de missionário? Perversão
A
trilogia de E.L.James, ao relacionar as práticas BDSM com aspectos traumáticos,
pode potenciar a estigmatização, alerta a investigadora. "Por um lado,
explora estes comportamentos sexuais, mas por outro perpetua a visão normativa
do que é a sexualidade ou do que deve ser a sexualidade", ao focar-se
nesta "concepção determinista", talvez para "ir ao encontro
das expectativas das pessoas". "Isto não ajuda. Falta educar a
sociedade para o que é o BDSM. É voluntário, é consensual, as pessoas estão
avisadas e há cuidado." Basicamente, são "pessoas normais, que se
querem divertir e explorar o seu potencial erótico", de uma forma bem
mais leve,
divertida e natural do que parece no livro.
Há que
ter em conta ainda que para esta percepção negativa contribui também a própria
comunidade médica, já que o BDSM é considerado uma parafilia, considerada uma
perturbação mental no DSM-IV, o Manual de Diagnóstico e Estatística das
Perturbações Mentais, e estando também incluído na Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) da Organização
Mundial de Saúde (OMS). "Isto tem sido contestado por diversos
profissionais de saúde por todo o mundo", relata Alexandra Oliveira,
nomeadamente a partir do movimento Revise
F65 (a
categoria das parafilias no manual da OMS). Nesse sentido, e "à revelia do
que está nesses manuais", há países que já deixaram de considerar estes
comportamentos como doenças, como a Suécia, a Finlândia, a Noruega e a
Dinamarca.
"Estes
diagnósticos de perturbação mental contribuem para reforçar os esterótipos. Não
há evidência científica que há uma perturbação mental associada a estes
comportamentos. E depois estes diagnósticos remontam a uma altura em que tudo
que não fosse heterossexual ou tudo que não fosse a posição de missionário era
considerado uma preversão sexual. A raiz está aí."
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